O Circo do Desassossego (2015)

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“O Circo do Desassossego” foi uma peça teatral que foi baseada no “Livro do Desassossego”, de Bernardo Soares – “semi-heterônimo” de Fernando Pessoa. Os temas – confissões privadas, fulgurações, reflexões e devaneios sobre a paixão, a moral e o conhecimento -, adequados a um diário íntimo, são permeados pelo tom de uma intimidade que nunca encontrará ponto de repouso. 

FICHA TÉCNICA:
Direção: Myqueas Bruce Wyllys
Roteiro: Myqueas Bruce Wyllys, adaptação de “Livro do Desassossego”
Produção: Myqueas Bruce Wyllys e Joséfran Zumba
Elenco (por ordem de aparição):
Bernardo Soares– Matheus Soares
Dono do Circo – Lucas Emmanuel
Maestro – Kelvin Nunes
Pierrot – Joséfran Zumba
Arlequim – Victor Hugo
Columbina – Kathleen Noemi
Mágico – Winny Castell
Assistente 1 – Yara Maria
Assistente 2 – Vitória Nunes
Contorcionista 1 – Rayane Alves
Contorcionista 2 – Mayara Gadelha
Contorcionista 3 – Luiza Costa
Bailarina – Mariana Queiroz
Mímico – Myqueas Bruce Wyllys


Poder trabalhar com as artes cênicas foi uma experiência que me proporcionou um enorme aprendizado. No teatro, diferente do Cinema, quem se sobressai não é o diretor, mas sim os atores. E poder dirigir uma peça teatral serviu-me como exercício de interação, já que o tempo todo eu tive que ser cuidadoso para não podar o talento e a criatividade de meus atores, e digo com toda certeza que “O Circo do Desassossego” só foi brilhante porque ele tinha muitas estrelas em ação.

Tudo começou com uma atividade da disciplina de Literatura que tinha como objetivo tratar do grande escritor Fernando Pessoa. Leitor e admirador do poeta, eu estava torcendo para ficar no grupo encarregado de grandes heterônimos, como Álvaro de Campos, Ricardo Reis ou Alberto Caeiro. Porém, acabei ficando no grupo responsável por Bernardo Soares – e eu não fazia ideia de quem era Bernardo Soares!

Ninguém do grupo estava muito empolgado com a ideia de trabalhar com um semi-heterônimo (eu mesmo cheguei a dizer que ele era semi-interessante). Mas tudo mudou após eu começar a ler o “Livro do Desassossego” e ter começado a pensar num pré-roteiro baseado na ideia de ter um circo com vários personagens.

Leia “As Faces de Fernando Pessoa”, por Myqueas Bruce Wyllys

O próprio Bernardo Soares acabou sendo incluído na peça, como personagem que introduz o público ao circo. E um ponto curioso é que a personalidade dos personagens só foi sendo definida ao decorrer da leitura do livro, uma vez que os diálogos eram tirados dos fragmentos escritos pelo autor.

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Poster de divulgação

Pude contar com grande elenco, que foi inteiramente responsável pelas interpretações e pela profundidade psicológica e teatral dada aos personagens.

A começar por um Bernardo Soares (Matheus Soares) que era tímido, nervoso e deprimido que, acima de tudo, vivia a tensão do desassossego.

E todos os outros tiveram arcos muito belos: O dono do circo autoritário e exigente (Lucas Emmanuel); o triângulo amoroso entre Pierrot (Joséfran Zumba), Arlequim (Victor Hugo) e Columbina (Kathleen Noemi) – já conhecido na commedia dell’arte – foi tão bem construído que, todos os três tiveram seus momentos de independência na peça, mas o trio em si conseguiu brilhar.

A peça também teve outros arcos narrativos que também foram desenvolvidos através de três personagens, como por exemplo, o arco do Mágico (Winny Castell) e de suas assistentes (Vitória Nunes e Yara Maria) – que foi uma parte interessante da obra, que continha uma certo ocultismo e misticismo, que até pela forma com que foi encenada (os personagens se tornavam estátuas humanas) representava bem a fuga da realidade.

Outro trio que trás um ponto interessante é o trio das Contorcionistas (Luiza Costa, Rayane Alves e Mayara Gadelha), que trás consigo a reflexão acerca de questões trabalhistas num ambiente de trabalho tão informal quanto um circo. São elas que se revoltam,são elas que tentam reivindicar seus direitos de descansar e são elas que exercem um papel pró-ativo.

O personagem mais importante da peça é o Maestro, que foi brilhantemente interpretado por Kelvin Nunes. Há uma teoria que fala sobre o seriado “Chaves” ter o Seu Madruga como personagem principal, e isso acontece da mesma forma em “O Circo do Desassossego”. O Maestro – o showman da peça – simplesmente estabelece as ligações entre os personagens, ele interage com todos e empurra o enredo adiante. A peça pode ser entendida como sendo um pensamento de Bernardo Soares, porém, ela também pode ser vista como sendo um retrato da perspectiva do Maestro.

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O Maestro

Eu atuei na peça como Mímico, que era o último personagem a entrar em cena e trazer de certa forma um alívio cômico. Eu tinha falas, mas tinha que gesticula-las ao invés de simplesmente proferi-las, entretanto, o Maestro – tentando ajudar o Mímico a se expressar – resolve narrar o que o mímico estava a gesticular. O problema começa quando o Maestro passa a expressar suas próprias frustrações e pensamentos ao invés de dar voz ao Mímico. O resultado não podia ser diferente: uma das cenas mais engraçadas que pude participar em minha vida (e foi um desafio pra mim, que tenho a voz grave, fazer um grito agudo).

Além do Bernardo Soares, o único personagem a ter um monólogo na peça era a Bailarina (Mariana Queiroz), e essa passagem foi a que mais sobressaltou um ponto interessante de se trabalhar com teatro: o som. Não usamos microfones para falar, e tínhamos várias músicas que serviam como plano de fundo para as atuações. E saber encontrar o ponto certo entre quais músicas usar, qual volume certo, qual entonação, foi tudo um conjunto de um trabalho que foi ensaiado por pessoas que se entregaram de corpo e alma ao projeto – e isso ficou claríssimo no momento em que a bailarina começa a dançar em silêncio no palco.

Depois de reavaliar tudo isso, vi o quão equivocado eu estava ao chamar Bernardo Soares de semi-interessante. Percebi que nunca se deve subestimar uma ideia, mas também, e principalmente, que sempre tudo fica melhor quando se pode contar com as melhores pessoas para tornar suas ideias reais.

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Após a apresentação, eu disse as seguintes palavras à minha equipe:

Guardei as roupas circenses no baú, tirei a maquiagem, porém não conseguirei esquecer cada momento que participei desse Circo. Depois, em pensamento, imaginei uma “cena final”: Todos sentados em um círculo, o Dono do Circo cumprimentando e parabenizando o Maestro, o Mágico preparando uma nova mágica, Arlequim dando em cima das assistentes, Columbina dando um beijo no rosto de Pierrot, as contorcionistas todas bem dispostas e felizes, o Mímico, agora com um pequeno quadro e um pincel, escrevendo versos para a bailarina… E Bernardo Soares no meio de tudo isso. Agora, ele se via célebre.

A lição que levo é: As tristezas e amarguras da vida podem nos causar um enorme desassossego, porém, cabe a nos, ver esses problemas como atrações de um grande circo.

Myqueas Bruce Wyllys

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